domingo, 30 de março de 2014

CADÊ A COCADA DE COCO?


 
CADÊ O COCO DA COCADA DE COCO?
Ysolda Cabral

Se não fosse pelo trabalho, as idas ao supermercado e das caminhadas à beira Mar, eu teria uma vida quase que totalmente reclusa. Gosto de ter uma vida assim e adoro estar a sós comigo mesma. Escutar o silêncio quando ele é perturbado pelo canto dos passarinhos, é tudo de bom! Acho lindo, acho engraçado e faço coro com eles, feliz da vida.
Também gosto de escrever bobagens nas horas vagas ou não; gosto de dedilhar meu velho violão e adorava cuidar de minha Hortelã. Ela me tirava dos pesadelos com seu perfume... Ficamos juntas por quase dez anos. A separação foi dolorosa – no novo AP ela não teria lugar. Sinto sua falta, porém sei que está bem e segura na casa de meu irmão. Não é servida de chá, nem na salada e nem, muito menos, em sucos.
Naturalmente que, por vezes, me canso da mesmice. Quando isso acontece, boto o pé no acelerador e ganho a primeira estrada que me vem à frente. Viajar sem destino, sem ter hora pra voltar, é bom demais! Já viajei de ônibus, de avião, de trem, até de barco! Conheçoboa parte do Brasil, bem como um pouco da Argentina, do Uruguai, do Paraguai, e parei por aí, pois o que me faz um bem enorme é viajar de carro e comigo ao volante.

Já viajei um bocado! Hoje, nem tanto! 
As estradas já não são mais seguras como dantes. Mesmo assim, foi não foi, arrisco-me em pequenos percursos. 
De um dos últimos trago uma doce recordação:
Estava voltando da linda praia de Peroba, situada na divisa de Pernambuco com Alagoas, quando resolvi parar e comprar algumas frutas – as frutas vendidas nos acostamentos das estradas têm sabor diferenciado, não sei a razão. Estacionei justo na barraca de um casal muito expressivo. Ela, baixinha e forte, olhos azuis bondosos, alegres e muito gentis. Ele, movimentando-se com a ajuda de moletas – só tinha uma das pernas -, não me pareceu menos feliz que a sua mulher. Gostei tanto do casal que me pus a conversar com eles e até comprei mais frutas do que queria e precisava. Quando, finalmente, resolvi ir embora, ele falou:
- A senhora não comprou nossa cocada de coco?! É uma delícia! Quem compra, nunca mais deixa de comprar. Alguns 
se deslocam de muito longe para virem aqui, somente para saboreá-la!
Foi falando e me entregando um pacote que, pela espessura e peso,devia ter umas quatro cocadas dentro. Daí, pendurou-se na janela do meu carro, com a mulher ao lado, e ficaram, os dois, esperando ansiosos. Entendi que queriam que eu provasse, de imediato, da tal cocada de coco. Sem querer decepcioná-los, mais que depressa abri o pacote e tasquei uma mordida naquilo que parecia um bloco, bem branquinho, de uma só cocada.
Nossa Senhora! Choveu açúcar para todo lado, inclusive na minha cara, cabelos e roupas! Do coco não vi nem sinal! Devia estar ainda por ralar, ou no coqueiral. Contudo, colocando os dedos na boca, brancos de açúcar, mandei um beijo para eles e exclamei:
- Que manjá!
Conclusão; fora a gorda gorjeta que lhes deixei, ainda tive que gastar uma nota preta no lava-jato para aspirar os milhares de grãos que faziam do interior do carro uma tentação irresistível para qualquer formiguinha que se prezasse. Tive pena delas perderem toda aquela abundância! Dava dó!
Quanto aos meus novos amigos, prometi um dia voltar. E voltarei na certa, esperando comer uma cocada de coco que tenha coco. Se não, há tanto lava-jato por aí...
- Né não?
 

 
Recife-PE
Em doce manhã de sexta
28.03.2014

 
Publicada também no Recanto das Letras
Código do texto: T4746855 
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